O Homem de uma roupa só
Raul Seixas, em sua música "Meu amigo Pedro" coloca a seguinte passagem: "Toda vez que eu sinto o paraíso ou me queimo todo no inferno eu lembro de você, meu pobre amigo, que só usa sempre o mesmo terno". Talvez, influenciado por Ele, hoje vamos conhecer a história de Nelson.
Nelson, um jovem Marxista, de família de intelectuais, sempre foi muito dedicado aos seus estudos. Quando criança, nas férias que passava na casa de seu avô, Nelson era ninado com a leitura de "O Capital" e aos 18 anos, enquanto seus amigos começavam a dirigir, Nelson lia pela quinta vez a edição alemã do livro que marcara sua infância. Já nessa época, Nelson começou a apresentar a estranha mania de usar sempre a mesma roupa. Independentemente da ocasião ou do clima, sempre encontrava-se Nelson com sua camisa azul, sua calça jeans e a combinação de cinto e sapatos marrons.
Nelson sentia-se no paraíso quando tinha contato com as palavras de Marx. Para todo lugar que ia, sempre carregava sua bolsa preta contendo seus volumes da obra. Não exitava em citá-las onde quer que fosse, mostrando-se sempre um rapaz muito culto. Em virtude disso, aos 20 anos de idade, depois de muito ter viajado com seu avô, Nelson decidiu por estudar economia Heterodoxa na escola de Campinas. Lá teve contato com outros autores que o fascinaram. Sraffa, Keynes, Dillard, Napoleoni. Seus olhos brilhavam quando em contato com os livros desses autores, que eram facilmente devorados pelo jovem universitário, diferentemente do que acontecia quando entrava em contato com um jovem professor gordo com quem tinha aula e que só falava sobre "capitalismo tardio" e sobre a autodeterminação da economia brasileira.
Logo que se formou, Nelson já engatou um mestrado. O paraíso estava cada vez mais próximo. Mais Marx. Mais Keynes. Mais Kalecki. Porém, o inferno chegou e o queimou. Terminado o mestrado, Nelson se radica em Chicago para trabalhar na sede de um banco norte-americano. Lá teve contato com contabilidade empresarial. Em princípio, Nelson relutava, sentindo saudades de seus autores preferidos. Mas sua genialidade e facilidade para aprender, logo fizeram com que ele dominasse o assunto. Nelson também sentia-se em casa naquele país. Muitos jantares ao som de Garth Brooks, muitas visitas ao Wal Mart aos finais de semana...e mais. Como é um país de hábitos exóticos, seu hábito de usar sempre a mesma roupa era raramente notado por seus colegas de banco.
Passados muitos anos, Nelson decidiu abandonar o inferno. Deixou de lado seu ofício de auditor no banco norte americano e voltou para doutorar-se em economia heterodoxa. O paraíso estava de volta!
Nelson passou a ministrar aulas na sua querida escola de Campinas. Mas ocorre que havia um outro talento ministrando a mesma diciplina. Seu primo, Sérgio. Sérgio era mais querido pelos alunos, não apresentava hábitos exóticos. Então, Nelson, em uma disputa intelectual como jamais vista, rebelou-se e passou a descontar a raiva que sentia por dividir a cadeira e a mesma sala com seu primo em seus alunos. As aulas, inicialmente didáticas e anotáveis, passaram a ser ministradas em apagadas transparências e tornaram-se monotonas. Nelson fazia de seus alunos verdadeiras estátuas, sem poder virar para o lado, ou eram surpreendidos por um ataque de nervos. Nelson gostaria que seus alunos controlassem a fisiologia, impedindo-os de sentir vontade de ir ao banheiro ou sentir sede. As provas de Nelson tornaram-se temidas e impossíveis de se resolver. Enquanto Nelson estava no Paraíso, seus alunos estavam no Inferno!
Mas Nelson não poderia ser para sempre assim. Então, aos 53 anos de idade, Nelson decide que é hora de ser pai e vê o quanto precisa amolecer seu já petrificado coração. O espirito paternal o contagia e ele amolece seu coração também com seus alunos. Pela primeira vez que se tem notícia, 2 alunos foram aprovados em seus exames. Há pessoas que saem e retornam em suas aulas e até aquelas que chegam com mais de 15 minutos de atraso. Nelson, inclusive, abandonou seu Escort L branco. Porém, Nelson, embora com o coração amolecido, não deixou de usar a mesma combinação de roupa, de ministrar aulas maçantes e nem de aplicar provas e "exercícios" impossíveis de serem resolvidos.